terça-feira, 31 de março de 2020

Férias no cárcere.


Férias no cárcere.

Carlota não gostava de relativizações. É uma mulher de guerra, que acorda durante a madrugada todos os dias de sua vida para ir trabalhar. Não porquê, como dizem por aí, o trabalho enriquece a alma; mas por extrema necessidade tendo em mente o sistema social no qual estamos inseridos.
 O fato é que, nos últimos dois anos, Lotinha estava começando a apresentar sinais de cansaço. As relações com as suas tarefas laborais, se comparado às relações com as pessoas no seu cotidiano, era o que menos a afetava. A mania dos seres humanos de querer se pisotear o tempo todo, uns sobre os outros! A ganância que uma minoria muito pequena tem de querer acumular toda a riqueza que existe no mundo! E, talvez, o pior: uma parcela gigantesca de escravos dispostos a desfilar sua cegueira frente à casa de seus senhores para festejar a sua própria condição miserável como se estivessem prestando um grande serviço à humanidade.
Tudo isso era parte do cotidiano de Carlota, uma mulher que precisava de férias. Uma pessoa do povo que passava o dia inteiro longe de casa e dos filhos para enriquecer alguém, ao invés de enriquecer a si mesma e aos seus.
Mas os dias foram passando, enquanto um tal de Coronavírus, lentamente, começou a preocupar nações e países do mundo inteiro. Presidentes e líderes mundiais fecharam as suas fronteiras e implantaram a política de isolamento social como forma de impedir que os estragos provocados pelo Coronavírus se expandissem cada vez mais.
Nesse contexto, estabeleceram – se critérios que acabavam por dividir a sociedade conforme a faixa etária e alguns problemas crônicos de saúde. Sim, Carlota estava na faixa de risco! Ou seja, precisava permanecer trancafiada dentro de sua casa, tal qual o detento no cárcere, para não oferecer riscos à sua família e nem à sociedade.
Nem precisa dizer como será as férias de Carlota. A mulher que tinha planejamento de aproveitar as férias em um passeio com os seus filhos, agora, gozará esse período trancada dentro de sua própria residência. Aquela mulher que acorda todos os dias de madrugada para ir trabalhar continuará nessa levada, pois não existe gozo de férias sem liberdade e felicidade a compartilhar com os seus.
Por outro lado, os oportunistas que se manifestam apenas de dentro de suas modernas engenhocas não titubeiam nem nos momentos de crise na saúde pública. Eles desejam o sangue das pessoas como verdadeiros vampiros famintos. Incapazes de olhar o outro, mas apenas a sua busca desenfreada por lucros e a sua ganância, atiram a pedra na cara daqueles que o enriquecem por um ou dois anos.
Enfim, os canalhas não estão em crise!
Sem escrúpulos, pra eles tudo é negócio! Tão negócio que, assim como Lotinha, milhares de trabalhadores não aproveitarão as suas férias, pois estarão de quarentena, presos dentro de suas próprias residências, esperando que o tempo passe para ficar trancafiado mais alguns meses nos seus empregos.