Pátria,
família e liberdade?
Marcelo
tomava café com o seu pai em uma confeitaria no centro histórico da cidade de
Porto Alegre. Era um lugar boêmio, onde estudantes costumavam se encontrar para
fazer trabalhos escolares, acadêmicos e para discutir sobre assuntos diversos.
Entre eles: política.
Ao
solicitar o adoçante ao atendente do estabelecimento, o pai advertiu o jovem:
_ Mas
meu filho, tu não podes dar assunto pra esse tipo de gente! São pessoas que
querem a baderna generalizada, uma vida desregrada. Pense bem, tudo o que
desejam é uma sociedade onde os bandidos estejam por aí, a amedrontar o cidadão
de bem!
Com
toda calma, Marcelo lambe os beiços e, com a ponta língua, retira meia dúzia de
farelos de pão que se encrustavam em seu longo bigode:
_ Mas
o que o senhor, meu pai, entende como cidadão de bem? Os ricos empresários que
sonegam vultuosos impostos mas viram heróis por pagar um salário miserável aos
seus empregados para manter sua riqueza a custo de oferecer um emprego como se
fosse favor?
O pai
tentou interromper, mas o jovem largou delicadamente a xícara que conduzira à
boca na rústica mesa e continuou com sua voz fina, porém, demais afinada:
_ Ou
seria, meu bom pai, o cidadão de bem aquele que destrói a educação do seu povo
o alçando aos profundos mares da ignorância enquanto compactua com defesas
bélicas como se a pólvora fosse mais forte que todo e qualquer governo de todos
e suas instituições democraticamente eleitas por nós? Pois, não há nesse mundo
força que vai calar a gana democrática daqueles que perderam milhares de entes
queridos, amigos e familiares nas tiranias anteriores, meu pai!
Suando
frio, o senhor de aparência elegante saiu de si:
_ Meça
as suas palavras pra falar comigo, afinal de contas, você me deve a sua vida e
sou o seu pai. Não é defendendo esses corruptos e canalhas que você, meu filho
vai se destacar na vida! Siga exemplos de homens fortes, que defendem a pátria,
a família, a liberdade; bens irrenunciáveis que jamais poderemos deixar de
lado! Você precisa evoluir meu filho, nem tudo o que a modernidade apresenta quer
dizer um passo à frente!
Com
suavidade na voz e com um gesto de muito carinho, Maurício olhou para o seu pai
com um semblante apaziguador, colocou a mão sobre o seu terno, na altura do
ombro direito e disse:
_ Meu
pai, hoje, a família tradicional atira seus filhos pela janela de altos prédios
para se livrarem como se os filhos fossem um encosto; a família tradicional acorberta
atos criminosos dos seus filhos por puro capricho e, pasmem meu pai, manda
assassinar o companheiro sem a menor piedade por interesses cretinos!
E
segue:
_ Pátria,
meu pai? Estão entregando todos as nossas riquezas para potências estrangeiras
como os portugueses assassinos fizeram durante a nossa colonização! Isso não é
ser patriota; mas, idiota! Quanto à liberdade, ninguém consegue tal intuito no
meio de mentiras, onde milhares de pessoas são pagas para disseminar inverdades,
denegrir a imagem e a honra de pessoas de bem e atentar contra as nossas
instituições. Pois, meu pai, existe algo muito errado nisso tudo. Parece que
existe um mundo paralelo e que jamais navegaremos pelo mesmo oceano!
Já em posição
de retirada, o pai do jovem, levantando-se vagarosamente, abraça o filho com um
olhar de indignação:
_ Pois
saiba que eu continuarei acreditando no Brasil! Continuarei acreditando nos
princípios políticos que combatem a corrupção dentro dos governos; continuarei
ao lado dos patriotas e dos cidadãos de bem!
Com um
aperto no abraço, Maurício fala bem baixinho ao ouvido do pai:
_
Seguiremos, então, caminhos distintos, meu grande pai; o senhor, em direção ao
centrão; eu, sempre, à esquerda!
E
partiram, um pra cada lado.