terça-feira, 15 de dezembro de 2020

O crime de Magnum.

          O crime de Magnum.

Durante a minha adolescência, em um desses cursos que a vida nos proporciona, conheci um jovem de cabelos longos e barba rasa. Seu nome era Magnum, tinha uma grande estatura corporal e não abria mão de carregar em sua bolsa laranja uma carteira de couro que abrigava um saquinho contendo sua pequena quantidade de erva diária.

Magnum era conhecido como o “Loiro” e tinha um “modos operandi” bem particular dentro da escola onde estudávamos. Na verdade, sua postura agressiva fazia com que muitas pessoas ficassem retraídas frente aos seus discursos e a sua forma de se expressar, geralmente pelos gestos e voz alterada. Nesse contexto, muitos preferiam manter distância para evitar brigas ou debates mais acirrados; seja por medo ou respeito.

Mas com o tempo fui me aproximando do “Loiro” e, consequentemente, ingressei um pouco no seu mundo, na sua vida elitizada. Naquela época, sempre tive de enfrentar as suas lamentações, seus discursos despidos de fundamento e, o pior de todos: a sua baforada contra o vento, que insistia em fazer voltar ao meu rosto toda a fumaça que saía do cigarro de maconha que, cotidianamente, ele consumia. O jovem sempre idolatrava filmes americanos, onde as armas eram protagonistas e o sangue fazia encher as salas de cinema em todo o mundo.

Durante algumas conversas entre colegas, por instantes, comecei a imaginar que o consumo de drogas começava a afetar o pensamento do Magnum nos debates políticos, econômicos ou histórico do nosso grupo escolar. O “loiro” fantasiava uma vida como se habitasse outro planeta ou como se vivesse em um mundo completamente diferente daquele que trazia nos seus discursos.

Assim, em uma discussão sobre operações policiais nas comunidades carentes, ele achava legítimo o aparato policialesco do Estado invadir residências humildes, sem mandado judicial, e submeter moradores às ameaças bélicas como se fossem marginais. Questionado, o “loiro” alterava a voz e, de forma violenta, esbravejava e enchia a boca para dizer que a polícia tem de fazer a sua função na sociedade. Defendia bravamente o porte de arma para os cidadãos de bem, mesmo sem saber o significado de “cidadão de bem”.

Certa feita, era uma sexta-feira chuvosa na cidade de Porto Alegre, ocorreu um debate entre Magnum e Diego.

Diego também era aluno do curso e também gostava de uma bela discussão. Mais ainda, assim como o “loiro” adorava fumar o seu tradicional cigarro de maconha. Neste dia, ambos se encontraram em um prédio localizado bem na frente da escola e travaram uma grande discussão para defenderem suas visões. Foi um embate que durou, pelo menos, duas horas e alguns minutinhos.

Resumindo: o discurso bélico e confuso de Magnum se perdeu nas colocações realistas e providas de fundamento do Diego. Aqui, vou apenas reproduzir a fala deste último, o que causou certo alvoroço entre os ouvintes e, inclusive, provocou reações violentas no seu opositor naquela situação!

Segue a fala do Diego:

_ Sabes quantas pessoas, principalmente jovens da nossa idade, tem de morrer todos os dias para que possamos fumar a nossa maconha? Repara, nas nossas casas a polícia não entra. Estão nos nossos bairros para nos proteger. Mas nas periferias não é assim. Lá ser negro e pobre é o mesmo que ser vagabundo! Lá, os moradores são traficantes; nos nossos bairros, são consumidores.

Segue Diego:

_ Defendes tanto a utilização de armas para uns, mas nega para os outros! Contra o ladrão de galinha é tiro! Contra os milionários que nos levam à miséria e à pobreza sonegando quantias vultosas em impostos e acumulando riquezas? Nada? Façamos o seguinte: paremos de consumir drogas, pode ser que aí a criminalidade diminua e tu podes colocar teus pés no chão e perceber que todo o sangue derramado o é feito por alguém.