sexta-feira, 26 de junho de 2020

O zero quatro.

O zero quatro.

O Alfredo era um rapazote que hoje conta as suas cinco décadas e meia de vida. Até hoje caminha auxiliado por suas bebidas favoritas, como o inigualável Velho Barreiro e a sua preferida caninha 7 Campos de Piracicaba. Quando era mais jovem, lembro de tê-lo encontrado em algum dos famosos bares do centro de Porto Alegre cujo nome não me bate, nesse momento. Enfim, a história que segue é verídica e aconteceu por volta de 12 anos atrás.

Na rua onde vivemos por longos anos, havia uma família bem estabelecida financeiramente, gente que ainda possui posses, empresas, pés de laranja no quintal etc. Era um charmoso casal que contava seis filhos, todos eles bem servidos e mimados, como se o cordão umbilical ainda estivesse robusto, intacto. O “zero quatro” chamava – se Alfredo, o qual mencionei no início deste texto.  Não preciso me deter ao fato de que o apelido “zero quatro” surgiu pelo fato de Alfredo ser o quarto filho por ordem de nascimentos e que traz em seu livro de memórias um grande repertório de histórias mal contadas.

Pois que, aproximadamente uma década e meia atrás nos encontramos no centro da capital dos gaúchos. Era inverno e ambos estávamos cheios de roupas, acessórios a proteger a cabeça do frio e por aí vai. A famosa esquina democrática, ponto onde as pessoas berram com suas militâncias e cruzam correndo cotidianamente foi o local exato desse encontro.

Naquele contexto, havia alguns militantes levantando bandeiras e fazendo discursos acerca da necessidade de tirar de vez o aborto de nossas vidas e excluir esse “verme” definitivamente de nossa sociedade. Naquela ocasião, um homem caminhava em minha direção lendo um pequeno folhetinho em passos acelerados. Era o “zero quatro”, eu tinha a certeza! Pelo jeito rebolado de caminhar e pela forma estabanada de balançar as mãos, era ele: o “zero q

uatro”, o homem das histórias mais mentirosas de minha infância! Então acelerei os meus passos e resolvi abordá - lo.

_ Quantos anos “zero quatro”, como você está? E como vai a família?

Alfredo ficou assustado com a chamada e, com a voz ofegante, respondeu:

_Carlos, tudo bem! Que susto cara, aqui nesse centro não dá pra vacilar. Respondeu o “zero quarto” sem desacelerar o passo. Naquele momento, resolvemos partir para um lugar calmo, onde pudéssemos colocar nossa conversa de anos em dia. Então, foi o que fizemos em um bar localizado na Rua Riachuelo, algumas quadras acima.

Na verdade, Alfredo jamais gostou de ser chamado de “zero quatro”, um apelido que fora colocado por seu pai, num contexto nebuloso de sua vida, onde drogas, bebidas e mulheres completavam um verdadeiro cenário de perdição e desilusão. Além das grandes lembranças do passado, onde fazíamos tudo enquanto éramos jovens, conversamos sobre as atualidades, e discutimos nossas divergências políticas.

Naquele bar da Rua Riachuelo, um dos temas escolhidos para a nossa democrática conversa foi o do tal foro privilegiado, tão odiado pela família de Alfredo que o patriarca da família chegava a discutir com a esposa e filhos acerca deste tema. Esbravejando e completamente fora de si, Camilo, o pai do “zero quatro”, esperneava como uma criança que quer colo a todo o custo e berrava contra o tal do foro. Aos berros, dizia:

_ Isso é desculpa para proteger corruptos e saqueadores da pátria! É um instituto que protege vagabundos e criminosos que cagam e andam para o povo que os elegeu!

Durante a nossa conversa, até o “zero quatro” confessava que a raiva de seu pai era tanta que os gritos poderiam ser ouvidos da esquina. Inclusive, segundo ele, não foram poucas as vezes que vizinhos ameaçaram de chamar a polícia. Então, nossa conversa foi se aproximando do final, e Alfredo se despedia:

_ Hoje, o meu pai já não grita mais, o seu protegido político foi pego em maracutaias de toda a sorte e terá direito a esse foro privilegiado! Nos dias atuais, na verdade, a casa tem estado tranqüila, sem gritos e brigas! Sem autoritarismos, sabe? Parece que meu pai caiu na real e resolveu recomeçar a sua plantação de laranjas no quintal! Agente se vê por aí, Carlitos!

Então coloquei a boina e, enquanto me levantava para ir ao caixa pagar a conta:

_Esses moralistas!

_Há braços!

 

 

 

 

domingo, 14 de junho de 2020

O gângster da Havan ,apenas mais um.

 

O gângster da Havan ,apenas mais um.

Não chega a impressionar o fato de que as pessoas, não raras as vezes, colocam os grandes empresários em pedestais a ponto de idolatrá-los como se fossem verdadeiros heróis. O fato de gerar emprego faz de ti um exemplo a ser seguido?

Será, mesmo, que valorizar os “colaboradores” (Termo mais cretino para omitir toda a exploração que sofrem cotidianamente a nossa gente!) como se fossem objetos descartáveis faz jus a toda essa santificação em relação aos milionários que acumulam grande maioria de toda a renda neste país?

Ora, acreditem, na cabeça de grande parte da população, os empresários merecem todo o respeito e, acima de tudo, suas fortunas adquiridas a custo de muito trabalho merece ser preservada. Neste contexto, fico a imaginar os explorados que detestam, sempre odiaram, a política como se ela não determinasse os rumos de nossas vidas.

Por exemplo, os eleitores do atual presidente da república, que passam mais tempo ralando no serviço do que curtindo a vida ao lado dos familiares. Passam mais tempo levando chibatada, e sempre reclamando, como se fosse natural trabalhar bastante para receber um salário miserável no final do mês.

Para as pessoas que têm a memória mais fraca, o Messias Bolsonaro, antes de ser eleito o (des) Presidente tupiniquim, não se importou nem um pouco em reunir grandes empresários para financiarem e organizarem a sua campanha política. Como negar que a política está presente nos rumos de nossas vidas? Só perceber, o termo “Trabalhador” está fora de relevância para a atual gestão, que não nega sua preocupação com os grandes empresários. Vide os discursos toscos de Paulo Guedes o ministro das cifras.


Na verdade, queria chegar na impressionante notícia das criminosas sonegações fiscais da Havan, empresa controlada por um tal de “velho”, que lavou a égua nos governos petistas e pasmem: agora balança no cordão do atual governo e critica as gestões anteriores de Lula e Dilma. Interessante isso, não!

Segundo informações, o gângster Luciano Hang, vulgo “Velho da Havan”, teria sonegado quase 2,5 milhões. Ora, isso é um dinheiro considerável se levarmos em conta que essa canalhice terá de ser arcada por mim, por você, e por todos que trabalham honestamente para garantir as suas próprias subsistências e a de suas famílias.

Por fim, a Havan é apenas mais uma entre milhares de empresas que sonegam impostos no Brasil. Equiparam – se, assim, a verdadeiras facções criminosas, apenas sustentando atuações em ramos diferentes. Logo, tem gângster por todos os lados. São esses empresários que pagam salários miseráveis para seus trabalhadores ao mesmo tempo em que se atolam em crimes tributários e financiam toda a sujeira política de forma a sustentar os seus interesses dentro do Brasil. A criminalidade está em diversas formas e não é possível que a imagem de um furto te impressione mais do que os gigantescos crimes cometidos por bandidos bem apresentados e moralmente idolatrados com a fachada de “Empresários”.

segunda-feira, 8 de junho de 2020

Eu falo com Deus!


Eu falo com Deus!

Certa feita, Adamastor entrou correndo pelos corredores da faculdade!

Estava atrasado em, pelo menos, 20 minutos. Ao abrir a porta, deu de cara com a professora vestindo uma saia bem curta e um decote de cor cinza. Chamava – se Thamires e carregava nas costas o peso dos seus 36 anos de idade.

Naquela ocasião, o tema posto em debate tratava sobre as diversas formas que os governos se utilizavam para manter sua popularidade sempre por cima, dessa forma, impedindo que a oposição pudesse interferir negativamente na gestão. Ainda que muitos estudantes não aprovassem o tema, era um assunto que gerava muitos debates e acaloradas discussões nos corredores da academia.

Após entrar na sala, Adamastor bateu a porta e, nesse exato momento, Thamires virou – se para ele e questionou o motivo do atraso: “o senhor está atrasado seu Adamastor, posso saber o motivo?”

O olhar ríspido da professora não intimidou o aluno, que dirigiu – se à sua cadeira, largou o seu material ao mesmo tempo em que despencava seus braços gordos sobre a mesa. Com a voz rouca e a respiração ofegante, o jovem Adamastor respondeu:

_ Estava falando com Deus!

_ Como assim, senhor? Retrucou a professora, diante do olhar espantado de todos os mais de 60 alunos que compunham a disciplina de História da Arte.

_ “Eu trouxe, na minha pasta, a cura da pandemia que tanto tem ceifado vidas e destruído famílias no mundo inteiro. Tenho andado por muitos anos no caminho da fé, sou pai de três filhos e não estou aqui para perder o meu tempo com brincadeiras! Saibas, Thamires, que Deus fala comigo desde longa data, para não dizer desde a minha infância, quando o encontrei pela primeira vez trepando em uma pitangueira.”

Um clima de pavor tomou conta da turma, ao mesmo tempo em que a discussão entre aluno e professora se encaminhava para um tom mais combativo. Os demais alunos, discretamente, levantavam suas cabeças e olhavam de soslaio para os interlocutores. Thamires estava assustada com o tom do discurso de Adamastor, observando a agressividade que começava a tomar conta do seu aluno.

Adamastor seguiu, já completamente fora de controle, com o dedo em riste:

“Deus quer mudar esse País. Deus quer te exaltar na presença de todos os povos e nações. Vocês saberão que a cloroquina não presta e que o tal vírus é como o vampiro, não resistirá ao confronto com o alho sagrado.”

Neste contexto, a turma inteira já não entendia mais nada, e todos só queriam que o tempo passasse e que aquele encontro terminasse logo. Ao contrário, cada segundo se tornou uma eternidade e aquela aula começava a ganhar ares de um culto religioso. Ao longo do seu eterno discurso, Adamastor trouxe temas importantes como política e religião, ambos como se siameses fossem. Não apenas isso, buscou de todas as maneiras, comprovar aquilo que reis absolutistas defendiam no passado: Deus estava entre nós, encarnado na pessoa do chefe supremo da nação!

_ “Deus acima de tudo”, bradava Adamastor!

Enfim, a aula se encaminhava para o final com toda a já conhecida agitação dos jovens quando o tempo começava a se esgotar. O calor tomara conta de todos, principalmente do aluno que discursara agressivamente ao longo de mais da metade do encontro. Ao tirar sua jaqueta preta em tom desbotado, Adasmastor apresentava como vestimenta uma camiseta preta com a cara do presidente estampada com os dizeres: #fechadocombolsonaro.

Então, a turma toda entendeu o enredo, os estudantes balançaram as suas cabeças e foram embora, na esperança de dias melhores.