quarta-feira, 29 de junho de 2022

Onze anos, o sonho de morte.

 
Onze anos, o sonho de morte.
 

Parece estranho a forma e as circunstâncias em que determinados fatos ocorrem. As pessoas não estão acostumadas a presenciar momentos de tristeza, de difícil discernimento. Os amigos e familiares de Maria Dolores contam que até hoje ela faz confusão entre as imagens dos filmes que assiste na televisão com aquelas cenas da irreparável perda que lhe ocorreu por chamas e fumaça. 

Dolores tinha 11 anos quando teve um sonho que a tirou da cama assustada e com o corpo molhado de suor. Aos gritos, sentou-se na cama e apelou desesperada pela presença de sua vó, que naquela época era a sua criadora. 

_ Vovó, vovó: apaga o fogo, tem muita fumaça aqui! Por favor, me ajude! 

Desesperada com a situação, Zileide correu da cozinha em direção ao quarto da menina. Ofegante, aquela jovem senhora de corpo forte e atuante abriu porta do quarto e entrou às pressas: 

_ Não há fumaça, minha filha! Não existe fogo algum! Volte a dormir; você apenas teve um sonho ruim, um pesadelo. 

Então, os anos foram passando e Maria Dolores casou; viveu uma linda história de amor e afeto que resultaram no nascimento de Orácio. A família era muito unida e reinava o amor e a santa paz ao longo do crescimento do menino, que a essa altura já contava 11 anos de idade.  

Na noite do dia 11/04/2037 uma grande festa seria marcada para comemorar a vida, uma ocasião de família. Os convites foram enviados e os amigos convocados. Dolores e o marido iriam ao mercado para comprar os artigos que estavam faltando. Entre eles: carne de frango, tomates e batatas para a salada de maionese. A tarefa restante ficou nas mãos de Orácio: preparar a churrasqueira e deixar a brasa pronta para o assado, que não demoraria a chegar do mercado.

 

Ao encostar o carro na frente de casa, Dolores sentiu algo estranho, um aperto no peito. Olhando em direção ao telhado da residência, percebeu que a fumaça estava bem mais forte do que o costumeiro: 

_ Paulo, tem alguma coisa errada! Meu Deus, vamos logo! 

Assustado, o marido deixou as compras no carro e ambos adentraram correndo pela casa, que, nesse momento, já tivera boa parte tomada pelas chamas. Com muito esforço, conseguiram atravessar o corredor de entrada, avançaram pela sala e pela cozinha e finalmente lograram êxito em chegar ao pátio que dava acesso à sala onde se encontrava a churrasqueira. 

Chegando lá, o fogo estava muito forte e as chamas atingiam o teto, por onde se espalhou pelo resto da casa. Tinha fumaça por todo o lado, inclusive dentro do banheiro, onde se encontrava Orácio caído no chão em luta incessante contra a morte. 

Ao perceber a aproximação da mãe, um último suspiro: 

_ Mãe, apaga o fogo, tem muita fumaça aqui! Por favor, me ajude! 

Aproximadamente trinta segundos depois, Orácio perdia a luta pela vida e quedava definitivamente frente a esse incêndio. O fato trágico resultou, além da morte de menino Orácio, na perda total do imóvel, uma casa de grandes proporções localizada na periferia de Porto Alegre. 

A primeira lembrança que veio à cabeça de Maria Dolores, logo ao acordar no hospital, fora aquele sonho que tivera quando também contava onze anos de idade. Tinha muito fogo e fumaça; porém, aquele não era um sonho, era a mais dolorosa realidade.