sábado, 9 de setembro de 2023

O ladrão de joias.

         
O LADRÃO DE JOIAS

A família de patriotas estava postada para o jantar. Anastácia servia o banquete com toda a delicadeza; afinal de contas, no dia anterior, havia tomado o famoso “gancho” do patrão por ter virado alguns grãos de açúcar sobre a mesa. Delicadamente, Maria se aproxima do marido, despende um beijo arrastado em sua testa e pergunta-lhe como havia sido o seu dia. O homem aparentava cansaço, com o semblante externalizando preocupação e decepção:

_ Tive um dia complicado, meu amor. Sumiram algumas peças da loja do centro e ninguém sabe o que, de fato, aconteceu. Alguns acusam o Gilberto, de um lado; de outro, muitos afirmam categoricamente que isso é coisa do Vespúcio, que sempre tivera um pezinho no ilícito.

O fato é que, naquele dia, algumas joias em pedras de diamantes e encorpadas em ouro desapareceram! Junto a elas, pelo menos três relógios de grande valia também foram subtraídos. Ora, por motivos ainda desconhecidos, o patrão não quis registrar ocorrência na polícia; e, muito menos, desejou de fato saber quem estava envolvido neste caso de subtração de bens alheios.

Enquanto o casal se encaminhava para o final da janta e Anastácia já cercava a mesa, a porta bate, com força! Era Flavinho, que ficara até os últimos instantes da aula de boas maneiras. Completamente agitado, o rapaz se dirige ao pai:

_ Você já está sabendo do escândalo das joias?

_ Claro que sim, filho! Estão dizendo por aí que foi o Gilberto, mas que também é possível que tenha sido o Vespúcio! Mas não quero esticar este assunto, guri!

O patrão estava brabo com a situação, planejando uma saída. Flavinho, desapontado, olha atentamente o semblante do pai e dispara:

_ Não estou falando disso pai, refiro-me às notícias que rolam por aí! Parece que o anterior chefe de nação roubou as joias da pátria como se fossem coisas de própria propriedade! Você não viu nada a respeito?

Sorrindo, com o olhar brilhante de tanto patriotismo e aquele porte corporal, peito estufado, dos atuais cidadãos de bem, resmungou consigo mesmo:

_ Impossível! Vou morar em outro planeta caso isso seja, de fato, verdade!

E dirigiu-se ao quarto, sob a risadinha sarcástica do filho e os olhares espantados da mãe e da empregada! Adentrando, se aproximou da janela e puxou a cortina para o lado. Pensativo, sentou-se na cama, ao lado da sua mesa auxiliar, e serviu uma taça de vinho. Após a primeira bicada, refletiu:

“Como pode, eu e a pátria sermos saqueados ao mesmo tempo? Só pode ser blasfêmia e intriga de gente que não tem mais nada de importante para fazer?! Malditos comunistas, ladrões e mentirosos”.

Naquele momento, Flavinho já havia se recolhido aos seus aposentos e Maria ainda conversava amigavelmente com a empregada Anastácia, no corredor entre a sala de jantar e a cozinha. O relógio já apontava para as 11 horas e os minutos se arrastavam cada vez mais. Quando encostou a taça a fim de absorver o terceiro gole do vinho, o patrão não resistiu e buscou confirmar a informação trazida pelo filho anteriormente!

_ Nossa senhora! Deus, pátria, família: protejam o nosso povo!

Em uma das imagens veiculadas na imprensa, aparecia o saqueador recebendo uma pulseira de ouro de um alto escalão militar em evento realizado na capital do país. O patrão a tudo acompanhava atentamente, custava em desacreditar nos valores tão “ferozmente” defendidos pelos seus líderes políticos. Mais uma vez, não acreditou. Gritou alto:

_ Mentira! Falácia, armação! Somos cidadãos de bem! Jamais, jamais...

E a taça de vinho atravessou a extensão do quarto e se espatifou contra a parede ao lado da janela. Nesse instante, entra a esposa, assustada, e faz de tudo para acalmar o marido:

_ Está tudo bem, Jair! Vai passar! As vezes acreditamos nas pessoas e elas acabam nos traindo de forma inesperada e inconsequente! Vai melhorar!

Irritado, Jair manda que a esposa lhe deixe em paz. Ao sair do quarto, Maria caminha lentamente e olha de soslaio para o marido e, com a voz engasgada e a mente tranquila:

_ No fim das contas, não foi o Gilberto e muito menos o Vespúcio, tão criminalizado! A vida tem destas coisas; assim como existem falsos messias, também existem ladrões de joias que se dizem cristãos!

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